* Publicado originalmente no Portal TLON
Entre abril de 2013 e abril de 2014 a razão entre o Valor de Mercado (VM) e o Valor Patrimonial (VP), em base consolidada, das cotas de Fundos de Investimento Imobiliário (FII) negociadas na BM&FBOVESPA se reduziu de 1,075 para 0,822. Perante tal evolução do indicador (VM/VP), de um ágio (+7,5%) para um substancial desconto (-17,8%), seria razoável esperar de um investidor atento um interesse pelas eventuais oportunidades geradas por este movimento de suposto barateamento no mercado de FII. Mas como primeira etapa deste processo de avaliação, faz-se imprescindível um entendimento claro do desempenho diferenciado deste indicador entre diferentes segmentos de FII.
No universo de 75 FII em análise¹, existem fundos focados em diversas modalidades de investimento, sendo que atualmente os três maiores segmentos são, na ordem, aqueles compostos por fundos que investem preponderantemente em Escritórios (29); Títulos de Renda fixa (13) e Shopping Centers (9). Os fundos de cada um desses três segmentos contam com formas diferentes de geração de receitas e de valorização de suas carteiras.
Em geral, os fundos que investem em escritórios são locadores de lajes e salas de uso comercial para empresas ou profissionais liberais, de diversos segmentos da economia, gerando rendimentos para os investidores a partir de aluguéis pagos. Os imóveis que compõem suas carteiras se valorizam, ou se desvalorizam, como ativos físicos imobiliários. No caso dos fundos que aplicam seus recursos em shopping centers, estes auferem rendimentos da mesma natureza, porém a maioria dos locatários são lojistas, empresas envolvidas no comércio varejista, localizados em grande número em aglutinações, o que provavelmente implica, quando comparado ao segmento de FII de escritórios, em um perfil de devedores menos heterogêneo, do ponto de vista de risco de crédito. Os imóveis que compõem suas carteiras, guardadas as diferenças em relação aos imóveis de escritório, também se valorizam, ou se desvalorizam, como ativos físicos imobiliários.
Por fim, os fundos investidores em títulos de renda fixa, principalmente em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e de forma complementar em Letras de Crédito Imobiliário (LCI), têm suas fontes de rendimentos em pagamentos de títulos estruturados de crédito, estes últimos lastreados em diferentes tipos de carteiras de crédito imobiliário. Diferentemente dos FII de escritórios e de shopping centers, FII de renda fixa não possuem imóveis em suas carteiras, e sim ativos financeiros, o que implica em eventuais valorizações, ou desvalorizações, de natureza diversa às dos dois exemplos anteriores.
A composição da rentabilidade efetiva² (total) de um FII de renda fixa diverge de maneira fundamental daquela dos FII de imóveis em relação a dois aspectos. Primeiro, os títulos que compõem as carteiras de um FII de renda fixa tendem a ter sua remuneração atrelada a um indexador que incide em base mensal. Desta forma, diferentemente dos fluxos de aluguéis que compõem a receita dos FII de imóveis, os quais tendem a contar com reajustes monetários em base anual, os fluxos de pagamentos dos CRI, reajustados mensalmente, tendem a gerar um crescimento nominal contínuo na distribuição de rendimentos dos FII de renda fixa. Segundo, em se tratando de títulos de crédito, o reajuste monetário incidente nos fluxos de pagamento se aplica não aos “juros” deste título e sim ao principal. Desta forma, os rendimentos dos FII de renda fixa tendem a ser “turbinados” por este segundo componente. A contrapartida para tal efeito é que o valor nominal dos títulos de crédito em carteira nos FII de renda fixa, desconsiderando amortizações de “principal”, se mantém constante. Já nos FII de imóveis, os ativos em carteira tendem a se valorizar nominalmente, por motivo inflacionário geral ou imobiliário, ou por outras razões específicas de cada imóvel.
Assim, os componentes da rentabilidade efetiva dos diferentes tipos de FII apresentam desempenhos distintos. Os preços das cotas dos FII de imóveis serão mais voláteis, ao passo que a distribuição de rendimentos dos FII de renda-fixa, salvo outros tipos de impacto, tenderão a ser relativamente maiores. Vale destacar aqui que nenhuma consideração foi feita em relação à marcação de valores de CRI. Estes títulos estruturados, que são os ativos das carteiras dos FII de renda fixa, têm o seu Preço Unitário (P.U.) divulgado pelas Securitizadoras Imobiliárias que os emitem, sem que haja um vínculo direto e quantitativamente preciso entre este P.U. e o desempenho da carteira lastro deste título e/ou o nível de reforço de crédito disponível para o mesmo.
Nos últimos doze meses, os fatores apontados acima contribuíram fortemente para uma diferenciação no valuation do mercado, tal qual subentendido pelo desempenho do indicador de VM/VP, para as cotas dos FII de renda fixa vis-à-vis aquelas dos FII de imóveis. O maior nível relativo de distribuição de rendimentos dos FII de renda fixa, somado à menor volatilidade dos preços das cotas destes fundos em um período de tendência de queda geral de preços de cotas de FII, resultaram em uma rentabilidade efetiva substancialmente superior para este tipo de fundo. Para aqueles que buscam barganhas no mercado, é imprescindível, primeiro, a leitura do comportamento futuro do mercado como um todo, muito em função da direção da curva de juros na economia. Isto porque, dentro do universo do mercado de FII, os desempenhos relativos dos diferentes segmentos descritos acima tenderão a se inverter na medida em que a curva de juros se estabilize ou se mova para baixo.
Para se constatar o movimento do indicador médio de VM/VP e a rentabilidade efetiva para os segmentos de FII de escritórios, de shopping centers e de renda fixa, no período entre abril de 2013 e abril de 2014, é apresentada a Tabela 1 abaixo:
Tabela 1 – VM/VP e Rentabilidade Efetiva dos três maiores grupos de FII
As cotas de FII de escritórios e as cotas de FII de shopping centers apresentavam um desconto superior a 20% dos seus valores de mercado em comparação aos seus valores patrimoniais em abril de 2014. No caso dos FII de escritórios este desconto se compara com um ágio de 7,8% doze meses antes. Já as cotas dos FII de renda fixa apresentavam um desconto de apenas 1,7% em abril de 2014, tendo estas sido avaliadas com um ágio de 5,4% doze meses antes. Em relação à rentabilidade efetiva média, os primeiros dois segmentos de FII não superaram os 15% negativos no período enquanto o segmento de FII de renda fixa alcançou 3% positivos no último ano corrido.
¹ São considerados nessa análise os FII cujas cotas foram negociadas nos meses de abril de 2013 e 2014 e atendam os valores mínimos de liquidez segundo a Uqbar (Montante negociado mensal de pelo menos R$ 100.000,00 e ao menos 10 negócios).
² Calcula a taxa de retorno do fundo, ou seja, o valor percentual que o investidor ganhou aplicando seus recursos num título durante um intervalo de tempo. O cálculo desse indicador leva em consideração a variação do preço da cota, as distribuições de rendimentos e as amortizações de cotas realizadas pelo fundo.
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