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Publicado na Terça, 27 de dezembro de 2016, 13h32
CEO da Mitre Realty divide estratégia da construtora para fugir da crise

SÃO PAULO - O Podcast Rio Bravo entrevistou Fabrício Mitre, CEO da Mitre Realty. Na conversa, o executivo falou sobre as propostas em que a companhia vem se apoiando para sair da crise e o que muda com relação a períodos melhores para o mercado.

Com mais de 50 anos de experiência no setor imobiliário, a construtora e incorporadora Mitre Realty tem investido em empreendimentos voltados majoritariamente para o consumidor da classe média.

Para o executivo, o mercado conta com oferta elevada de imóveis, mas os bons produtos continuam sendo absorvidos. “Antigamente, quando tinham demandas para 500 unidades numa determinada região, eu acho que hoje essa demanda é por volta de 300. Mas as melhores 300 vão vender”, afirma

Ele disse também ser necessário adotar operação de ótima qualidade para evitar contratempos em relação ao ambiente regulatório. Confira a conversa:

Conte um pouco a respeito da história da Mitre. Como é que a empresa se estabeleceu no mercado e como ela se posiciona nos dias de hoje?

A nossa atuação começou desde o meu avô, na verdade. Foi um imigrante libanês. Começou a construir mais focado na Zona Norte inicialmente. Depois, nas outras áreas de São Paulo. Isso há 55 anos. Depois teve a segunda geração, meu tio e meu pai foram sócios por 28 anos e eu trabalhei em mercado financeiro. Trabalhei em Londres e no Brasil. Meu último trabalho foi no Credit Suisse aqui em São Paulo. Eu cobria o setor de Real Estate, então eu via ali todas as empresas que estavam listadas, as boas práticas, o que era bom e o que era ruim.

Naquela época, era 2007, o setor estava indo superbem, várias aberturas de capital, crescimento enorme, e aí, em janeiro de 2008, eu vim para ser CEO da empresa e montar uma empresa com uma nova proposta. Até então, ela era uma empresa muito familiar, focada em alguns nichos, e a gente profissionalizou a empresa. Hoje só posso ter eu aqui da família com função executiva. A gente é auditado, temos um nível de governança bastante elevado para uma empresa média do setor como é o nosso caso.

Vocês abandonaram totalmente os nichos? Como é que esse relacionamento, essa dinâmica tem se estabelecido desde a sua chegada?

Não, de forma alguma. A empresa sempre foi muito focada em fazer empreendimentos para a classe média, sobretudo residenciais. Dois e três dormitórios para uso final. E a gente continua tendo esse mercado como nosso principal mercado.

Hoje, geograficamente, sim, estamos um pouco mais diversificados. Hoje nós temos negócios em São Paulo. Antigamente era muito focado na Zona Norte. Hoje é Zona Norte, Leste, Centro... Temos em Osasco, temos em Santo André um empreendimento que foi muito bem, que a gente lançou esse ano, o Live Park Santo André, vendemos 65% das unidades em 6 meses.... Enfim, acho que a gente não pretende também sair da Grande São Paulo.

O foco geográfico vai continuar sendo aqui, o foco principal da empresa vai continuar sendo na classe média, que é onde está o nosso mercado de maior volume, tirando baixa renda, que é uma coisa muito peculiar que a Mitre Realty ainda não faz, mas eu acho que o mercado de média renda sempre tem gente casando, sempre tem gente tendo filho, precisando de algum apartamento. Não é uma coisa de momento. Então é um mercado que a gente gosta bastante.

Mesmo nesse cenário de crise econômica e de desconfiança por parte dos consumidores, existe espaço para crescimento? Existe espaço para venda de imóveis para essa classe média?

Sem dúvida. Eu acho que, como eu disse, esse mercado é resiliente, por uma questão natural da população, que vai casar, vai ter filhos. Hoje, para a maioria dos meus clientes é o primeiro imóvel ou o segundo imóvel no máximo, no caso de três dormitórios. Então, é um casal jovem em geral que mora com os pais e que vai se casar. E eles vão comprar algum imóvel.

Prioritariamente, hoje o brasileiro quer comprar em vez de alugar. É cultural. Então, eu acho que esse mercado existe, porém hoje ele é mais restrito. Acho que o mercado lançou muito, tem muita oferta de muito produto, né? E o consumidor hoje tem muitas opções. Então naturalmente a velocidade de vendas tende a ser menor no setor, mas os bons empreendimentos continuam sendo absorvidos.

A gente tem aqui alguns casos. Por exemplo, lançamos há sete semanas o Raízes Vila Matilde. É um empreendimento de 283 unidades, de 2 e 3 dormitórios, do lado do metrô Vila Matilde. Agora já estamos com 51% vendido em menos de dois meses. É um empreendimento de 130 milhões de VGV (Valor Geral de Vendas). Então, eu acho que tem histórias que mostram que o mercado ainda está aí. Antigamente, quando tinham demandas para 500 unidades numa determinada região, eu acho que hoje essa demanda é por volta de 300. Mas as melhores 300 vão vender.

As plantas, o acabamento, a localização do empreendimento: eu acho que o próprio cliente hoje está muito mais exigente, porque tem muito mais opções para se escolher. Então acho que cada vez mais olhar para dentro de casa, fazer um empreendimento com as melhores plantas, com um acabamento muito bom, uma localização excelente, a concepção do empreendimento. Tudo isso ajuda que as unidades estejam dentre as que serão vendidas e não as que vão sobrar, que são segunda ou terceira opção.

De certa forma, o mercado imobiliário se organizou entre a década passada e início dessa década por uma determinada região da cidade de São Paulo. Zona Oeste, Zona Sul. Alguns bairros foram mais badalados do que outros. Você percebe que existe uma tendência do público agora em permanecer nos seus bairros de origem, por exemplo?

Eu acho que tem muitos bairros que têm essa característica exatamente como você falou. Isso é muito evidente, por exemplo, na Zona Norte. Quem é de Santana gosta de Santana, os pais são de lá, os avós são de lá, as pessoas querem morar no bairro. A mesma coisa, por exemplo, na Vila Matilde. As pessoas querem morar lá. Então eu acho que depende muito do bairro, existe quase que uma cidadezinha ali de interior que são dessas pessoas.

Na Vila Matilde, por exemplo, você vê diversas casas com quintal enorme, criança brincando na rua... São coisas que não se vê em outros bairros. Então eu acho que, dependendo do bairro, existe muito essa mentalidade de ficar no bairro, ser bairrista.

Às vezes, a gente olha as estatísticas, e elas são as estatísticas agregadas da cidade como um todo, da região específica que está sendo objeto da reportagem. Mas quando você olha com um pouco mais de cuidado as microrregiões, existem diversas localidades em São Paulo que ainda são mal servidas de bons empreendimentos.

Ser uma empresa de médio porte facilita no tocante à tomada de iniciativas para enfrentar um período de incerteza como esse?

Sem dúvida. Eu acho que o mercado mostrou que empresa de dono no nosso setor tem uma grande diferença de performance comparada às empresas que não existe um controle muito definido e os executivos que são controladores da empresa de fato atuando no dia a dia da empresa. Essa é uma diferença muito grande. E sim, facilita a tomada de decisão.

O mercado hoje é muito rápido. Então, desde a compra de um terreno, decidir enxugar a estrutura, sempre é muito complexo, sobretudo em organizações maiores, você tem que mandar para cada executivo fazer uma lista, assim, tem mil políticas internas, um processo um pouco mais moroso. Não, numa empresa de dono, as decisões são mais rápidas, né, tanto de compra do terreno, de contratação ou demissão.

Enfim, eu acho que a gente consegue fazer os ajustes necessários com muito mais agilidade do que numa estrutura maior, mas não só isso. Eu acho que o nosso setor existe uma parábola invertida em termos de tamanho no eixo X e rentabilidade no eixo Y.

Eu diria que você tem que ter um tamanho razoável que te permite ter uma boa equipe, um bom nível de controle interno, sistemas, enfim, ter uma massa crítica de informações, de pessoas boas e de práticas que você não consegue ter numa empresa pequena, mas que numa empresa média, sim. Porque na empresa pequena os custos desse tipo de rotina, controle, tudo mais, inviabiliza.

Porém, quando você cresce muito, e o mercado mostrou isso, você começa a sair da zona da rentabilidade ótima e entrar numa zona um pouco perigosa por conta da escala. Então eu acho que o nosso setor é um mercado de longo prazo. Cada terreno que se compra você vai ficar 4, 5 anos com esse terreno aqui dentro facilmente. Então, é preciso uma série de etapas, todas elas estarem muito bem coordenadas para que tudo saia muito bem.

A execução de obra é algo complexo, que demanda um management bem próximo da execução para ter certeza que não sai do eixo. Então, eu acho que a escala, você não pode nem ser muito pequeno nem muito grande. Eu diria que existe aí uma clara divisão de rentabilidade entre as empresas médias bem organizadas e as empresas maiores que já têm uma escala muito maior.

Dentro desse contexto que você acaba de falar, como vocês lidam com as dificuldades dos clientes em quitar os investimentos? Vocês enfrentam isso?

Entregamos recentemente 622 unidades nos últimos 24 meses. Nesse portfólio, nós tivemos 20% de distrato. Vinte porcento de distrato é muito mais do que eu queria ter. Mas é muito menos que o setor. Hoje o setor está convivendo aí com níveis de 40, 50% de distrato. Então eu acho que esse é um problema gravíssimo, que afeta todo mundo. Acho que a legislação precisa mudar, é uma assimetria de riscos muito grandes entre nós e os compradores de imóvel, porque acaba sendo uma opção gratuita, que você muitas vezes tem que devolver quase o dinheiro inteiro que recebeu e não é justo, porque se o preço não sobe por qualquer outro motivo, a pessoa não perde nada e você tomou um financiamento, teve que fazer a obra, confiando que aqueles contratos de fato eram válidos.

Mas por outro lado eu acho que a gente tem que conviver com isso. O Brasil é cheio de dificuldades, não adianta a gente esperar que o ambiente regulatório vai nos ajudar muito. Em geral, é o contrário que acontece. Então eu acho que cada vez mais a empresa tem que ter uma operação muito boa. Então, no nosso caso, a gente faz análise de crédito própria.

Há três, quatro anos, essa atividade era terceirizada. Depois nós entendemos que esse era um componente de risco muito importante para você dar para um terceiro. Então a gente olha minuciosamente cada cliente. Nós somos uma das poucas empresas que negavam venda por questão de crédito. A grande maioria das empresas ou não fazia ou não levava a sério.

A gente sempre levou a sério e além disso eu acho que tem uma política aqui, se tiver distrato, se o cliente estiver inadimplente, a gente procura rapidamente resolver o problema. Tem muitas empresas que, muito embora tenham esses níveis de 40 a 50%, na verdade em muitos casos podem até ser maior. É que existe ali uma política interna de só podemos distratar no máximo x contratos por mês e isso acaba até distorcendo o número para baixo. Então o problema pode ser ainda maior. Agora, eu acho que dá para ter uma política responsável de venda, existem bons clientes, e acho que precisa cada vez mais aprimorar esses níveis de análise de crédito, as empresas pensarem mais no médio e longo prazo e não apenas mostrar resultados no curto prazo de vendas etc., porque isso acaba depois machucando o balanço em algum momento. Não adianta vender sem ter forte entrada.

Então hoje a gente pede aí mais ou menos 8% nos primeiros quatro, cinco meses, pelo menos. É uma série de medidas que a gente tomou aqui internamente que fizeram com que o nosso índice de distrato fosse muito menor do que o do mercado e vem caindo. Então a gente tende a aprimorar os nossos níveis de avaliação de crédito.

Qual tem sido a estratégia de vocês para captar novos clientes?

A estratégia, primeiro é produto. Essa é a estratégia principal. Você tem que ter um terreno muito bom, não é um terreno mais ou menos. Terreno sempre ao lado de eixos de transporte, seja corredor de ônibus ou metrô. É uma regra para nós. A Mitre não inaugura nenhum bairro, nenhuma região. A gente vai em regiões já consolidadas, que além de transporte que é o primeiro item que nós olhamos, já existe uma infraestrutura na região de escola, hospitais, bares, restaurantes. Então tem que ter uma estrutura mínima ali que vira um bairro agradável de se morar.

E, além disso, tem as plantas. Se você olhar as plantas da Mitre, eu acho que elas são muito bem distribuídas. A gente perde aqui muito tempo até conceber o projeto até o jeito certo que ele tem que ir para a rua. Desde as plantas dos apartamentos até as áreas comuns, as disposições das vagas, tudo isso é importante. Porque o mercado, ele voltou um pouco à realidade, que aquela história de vender tudo no lançamento, mudar a tabela no plantão, que a gente já viveu, não existe mais e provavelmente não vai existir por um bom tempo. Hoje, as unidades vão estar prontas, você vai entregar o prédio, você vai ter 20% pelo menos de unidades lá no local. Então essas pessoas têm que ir no apartamento, ir no prédio, nas áreas comuns, ir à garagem, eles vão inspecionar isso. Então precisa ser um empreendimento muito bem feito para ter aceitação de mercado.

Nessas 622 unidades entregues, nós hoje só temos uma em estoque. Apesar desse problema todo do mercado, mesmo assim nós conseguimos vender praticamente todas as unidades, só falta uma, mesmo nesse mercado adverso como está. Eu acho que muito é porque os produtos são realmente excelentes. A gente só vai fazer um produto em um bairro se a gente conseguir ter um grande diferencial em relação à concorrência, senão a gente prefere ir para outro lugar.

Fale um pouco sobre os projetos relacionados aos estudantes, que a Mitre tem desenvolvido em uma outra formatação.

Esse é um conceito muito interessante. Toda essa história de residenciais para renda no Brasil ainda é muito pouco explorada perto de outros países. Por várias peculiaridades, desde a lei do inquilinato até taxa de juros muito alta. Esse mercado não é tão atrativo. Fora isso, o mercado imobiliário estava ganhando muito dinheiro fazendo produtos normais, então não precisava pensar muito fora da caixa.

Agora, eu acho que é um ambiente muito mais restrito em relação à demanda, você tem que pensar muito no produto e tentar desenvolver nichos. Então tendo isso em mente, a gente já vinha olhando para o mercado de residência estudantil há uns anos. É um mercado muito mal servido. São pensões de 10, 15 quartos, sem nenhum valor agregado, numa casa antiga. E aí, você vê fora do Brasil, e é completamente diferente.

Eu tive a oportunidade de morar em residências estudantis fora do Brasil e a experiência, além de ser excelente enquanto estudante, todas as instalações são ótimas, é o convívio com outras pessoas, enfim... eu acho que aqui a gente perde muito não oferecendo isso para os estudantes. Então a gente resolveu se posicionar nesse mercado para ser líder do setor. Nós fechamos uma parceria com uma empresa que se chama Redstone Residential, dos Estados Unidos. Eles estão em oito estados americanos, têm 13 mil camas no portfólio, com 99,8% de taxa de ocupação. São muito bons de operação, nós visitamos diversas operações aí no mundo e escolhemos a Redstone como a nossa parceira.

Não existe expertise local, porque não tem praticamente ninguém fazendo isso. Então nós fomos buscar expertise fora do Brasil, nos melhores lugares, para trazer para o Brasil um ativo de classe mundial nesse tipo de nicho. E aí o primeiro projeto nosso que já começamos as obras agora é do lado do Mackenzie. Então nós estamos a 400 metros do Mackenzie, tem 32 mil alunos. Estamos a 400 metros da Santa Casa, que tem mais 3 mil alunos. Ali também existe um campus da PUC e outros. Enfim, eu estou a 400 metros de 36 mil alunos. É a região da Consolação, ali, fronteira com Higienópolis, muito mal servida. A maioria das unidades são antigas, prédios sem lazer, sem vaga, sem mobília. Então a gente vai oferecer um produto que já vem mobiliado, como um quarto de hotel, tem arrumação de unidades periódica, tem catraca para entrar, para sair, sala de estudo.

Tudo aquilo que um estudante desfruta fora do Brasil nós vamos trazer para cá. E temos já o segundo projeto, são 600 camas do lado da Universidade de São Paulo. Esse está em aprovação e o do Mackenzie já está aprovado e em obras. Então, criamos um braço na Mitre, que se chama Share Student Living, que a gente vai explorar esse mercado de residências estudantil e queremos ser líder no setor nesse nicho desenvolvendo no início 2.500 camas na Grande São Paulo e depois uma atuação um pouco mais diversificada geográfica para atingir 10 mil camas em 8 anos. Então a gente está bastante entusiasmado com o setor, a gente acha que o juro vai cair substancialmente a partir de 2017 e 2018. Isso não sou eu que estou dizendo, os especialistas do mercado que nos dizem isso. Então todo esse ambiente vai favorecer muito esses imóveis para renda e eu acho que a hora de residencial para renda já chegou e esse mercado de estudantes é um mercado muito resiliente mesmo em tempos de crise. Você vê hoje, o Brasil em recessão, numa crise bastante importante, você vê as boas faculdades lotadas e o mercado estudantil como um todo ainda crescendo. Isso tudo nos chamou muita atenção para esse nicho de mercado e eu acho que nós estamos com projetos excelentes do lado das principais universidades de São Paulo. Eu estou muito entusiasmado com isso.

prédio residencial
(Shutterstock )

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